O Rei de Nínive

Os habitantes da cidade de Nínive como num capitulo anterior referimos e agora repetimos, perverteram-se a tal ponto que Deus, irado, resolveu destruir a ímpia capital. Todavia, porque a Sua misericórdia é imensa, quis avisar os pecadores, do castigo que sobre eles estava iminente. E pelas ruas e praças da grande cidade a voz do profeta Jonas pregou os castigos que Deus faria cair sobre os ninivitas. Chegou a nova terrível aos ouvidos do rei de Nínive, que, levantando-se do trono, rasgou as suas vestes em sinal de dor e se cobriu de cinzas. Depois ordenou que todos os seus súditos fizessem a mais dura penitência, para aplacar a Justiça Divina.

«Quem sabe — dizia o rei — se o Senhor nos perdoará e Se aplacará de forma que não pereçamos?»

E Deus viu a sua penitência — diz a Sagrada Escritura — e compadeceu-Se deles, retirando o castigo terrível que estava para lhes vibrar.

Este exemplo mostra-nos quanto pode a humildade e a penitência junto de Deus. Por elas perdoou Deus à cidade pecadora e foi talvez por elas que Deus não converteu a opulenta Nínive num novo Mar Morto.

Ora se tão eficaz e aceita é junto de Deus a imperfeita humilhação dos homens, quanto não conseguirá por nós a humilhação infinita e perfeitíssima do Filho de Deus? Se a penitência de um rei pagão desarmou o braço de Deus, o que não conseguirá a satisfação oferecida pela Vítima puríssima sobre os nossos altares? Os nossos pecados irritaram justamente o Deus omnipotente, mas quando a Sua Justiça vai fulminar-nos, encontra diante de Si o próprio Filho do Eterno a interceder por nós e o braço pronto a ferir, cai desarmado.

O Rei Acabe

O ímpio rei Acabe começou o seu governo em Israel pelos maiores pecados. Instituiu oficialmente o culto pagão de Baal e impeliu o seu povo para a idolatria. Transviado dos caminhos de Deus, não houve crimes que o fizessem recuar e diz a Sagrada Escritura, que tantos foram os seus pecados, que irritou a Deus mais do que todos os seus predecessores. Não só desprezava os avisos que Deus lhe enviava pelo Seu profeta Elias, mas tentou mesmo matar o mensageiro do Altíssimo. Nabot, um seu vizinho, possuía uma vinha, que pegava com o palácio real. Desejou-a Acabe; e como Nabot não quisesse alienar a herança, que recebera de seus pais, mandou-o matar e confiscou-lhe a cobiçada vinha.

No momento, porém, em que Acabe ia apossar-se iniquamente da propriedade alheia, apareceu o profeta Elias, que, por ordem de Deus, o increpou com indignação e lhe anunciou que, em castigo de tantos crimes, ele, sua mulher e seus filhos morreriam de morte violenta e nenhum deles seria sepultado, mas que os corvos e os cães devorariam os seus cadáveres.

Ao receber a terrível predição, Acabe rasgou as suas vestes, impôs-se um cilício e retirou-se amargurado, curvando a fronte.

— Não viste como Acabe se humilhou diante de Mim? — disse Deus a Elias.
— Vi, Senhor — respondeu o profeta.
— Pois porque ele se humilhou diante de Mim, estes males não acontecerão durante a sua vida, mas no reinado do seu filho é que eu farei cair a Minha justiça sobre a sua casa.

Este segundo exemplo relatado pela Sagrada Escritura explica-nos porque é que Jesus Se humilha a tal ponto no adorável sacramento da Eucaristia. É para desarmar a cólera divina, tão justamente prestes a fulminar os nossos contínuos pecados.

Se este rei, de uma impiedade que excedia todos os crimes dos seus antepassados, conseguiu afastar de sobre a sua cabeça a Justiça divina, humilhando-se, o que não conseguirá em nosso favor a humilhação sem igual do Filho de Deus? O estado a que a Vítima inocentíssima Se reduz, por amor dos pecadores, não é mil vezes mais tocante que a humilhação do perverso Acabe? Acabe vestiu um cilicio: Jesus reduz-Se às parecências de um pouco de pão, é menos que um ser vivo. Acabe curvou a fronte: Jesus jaz aniquilado sobre o altar, e envia ao Eterno Pai constantes súplicas para que nos poupe. Em face de um tal espetáculo, não dirá Deus aos Seus Anjos:

— Não vedes como o Meu Filho se humilha diante de Mim?

E os anjos responderão:

— Sim, Senhor. Nós estamos confundidos, à vista de tamanho abatimento.
— Pois porque o Meu Filho a tal ponto Se aniquilou pelos pecadores — volverá a Justiça Divina — Eu sustenho a minha cólera e quaisquer que sejam as iniquidades do mundo, sou obrigado a reter o castigo.

Ah! Não tenhamos dúvidas. Se o raio da cólera divina não fulmina tantos crimes, que se cometem na terra, é que sobre o altar uma Vítima puríssima, de infinita inocência, faz subir ao Céu uma súplica irresistível todos os dias. Não esqueçamos que cada Missa é uma súplica perfeitíssima, que sobe até ao coração de Deus, em nosso favor. Uma grandeza infinita humilha-Se infinitamente, para que não sejamos aniquilados pelos nossos crimes.

O Salvador não só nasce sobre o altar tão realmente como em Belém, mas humilha-Se ainda mais, assombrando o Céu e a terra. A Sua primeira Encarnação e o Seu primeiro nascimento são descritos por São Paulo em termos precisos:

«Meus irmãos, tende os mesmos sentimentos que Jesus Cristo, o qual, tendo a natureza de Deus, não julgou que fosse usurpação ser Ele igual a Deus; mas Ele Se aniquilou a Si mesmo, tomando a forma de escravo, fazendo-Se semelhante aos homens e sendo reconhecido como tal, pelas aparências. Humilhou-Se a Si mesmo, fazendo-Se obediente até à morte e morte de cruz»

Ora no Seu nascimento místico, Jesus humilha-Se ainda mais. Porque, se em Belém tinha a forma de uma doce e formosa criancinha, no altar tem a aparência inerte de um bocado de pão. Jesus pode dizer com o profeta:

«Eu sou um verme da terra e não um homem, objeto de zombaria para os homens e de desprezo para o povo»

Com efeito como é humilde aquele pequeno fragmento de pão! E quem O Honra? Quem O adora? Infelizmente quase ninguém. Onde está a glória de Deus? Onde a Sua omnipotência? Onde aquela majestade infinita, que faz tremer a côrte celeste? A tudo isso Ele renunciou para Se humilhar. É o Verbo de Deus e não pode proferir uma palavra. Estendeu o velário grandioso do firmamento e não pode mover o pé nem a mão. O universo inteiro não O pode conter e encerra-Se numa pequena hóstia. Está sentado no Céu, à direita do Pai, num trono de glória e no altar jaz imóvel e inerte, como um cordeiro atado para o sacrifício. Naquele estado tão humilde, tão apagado, entrega-Se sem resistência a todos os sacerdotes, mesmo aos tíbios, mesmo aos indiferentes. E — coisa extraordinária! — Ele, o Senhor supremo de toda a benção, não Se dedigna de ser abençoado pelo sacerdote, ainda que, segundo São Paulo, «o que recebe a benção demonstra ser inferior ao que a dá». E contudo Jesus deixa-Se abençoar pelo Seu ministro. Com efeito o celebrante abençoa as Sagradas Espécies, e isto depois da consagração, quando já Jesus delas habita em Corpo, Alma e Divindade.

Quando Jesus Se dirigiu ao Batista, nas margens do Jordão, o Precursor chegou a recusar batisá-lO:

«Eu é que devo ser baptizado por Ti e Tu vens a mim ?»

Grande e preciosa lição para todos nós!